Em meio a bloqueio sobre financiamento climático, COP29 acelera mecanismo de mercado de carbono

Mukhtar Babayev, presidente da COP29, fala na sessão de abertura do evento, nesta segunda-feira, 11 de novembro de 2024, em Baku. (AP Photo/Peter Dejong) AP - Peter Dejong

Já no primeiro dia da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a presidência azerbaijana do evento anunciou que os quase 200 países participantes chegaram a um acordo inédito para definir as regras de funcionamento, sob supervisão da ONU, de um mercado internacional de créditos de carbono. Observadores da sociedade civil e governos de países mais vulneráveis, entretanto, temem que este mecanismo acabe por dispersar a discussão sobre o financiamento climático que os países desenvolvidos devem entregar às nações em desenvolvimento.  

As transações envolvendo países ou empresas de emissões de CO₂ estão previstas no artigo 6 do Acordo de Paris sobre o Clima, assinado em 2015. O objetivo é estimular ações que reduzam emissões de gases de efeito estufa ou capturem CO₂ e equivalentes da atmosfera, como o reflorestamento. Mas, até hoje, os países não haviam concordado sobre os detalhes deste mecanismo, de forma a garantir a sua eficiência, transparência e credibilidade, e assim seja uma ferramenta relevante e confiável para limitar o aquecimento do planeta.

“Garantias fundamentais precisam estar na mesa: as salvaguardas socioambientais, a garantia da ambição e da adicionalidade desses projetos de carbono e dos créditos que serão colocados no mercado, a qualidade deles e o fato de que eles tenham um impacto positivo para as comunidades e sociedades que são impactadas e envolvidas na geração desses créditos – e verificável”, salientou Juliana Marcussi, advogada especialista em mercados de carbono da Laclima, que acompanha a COP em Baku. “O nível de transparência precisa ser altíssimo. Tudo isso precisa ser garantido nesse processo.”

A presidência da COP29 espera que a ferramenta poderá contribuir para cortar os custos de implementação dos planos climáticos pelos países, à altura de US$ 250 bilhões por ano, podendo chegar a US$ 1 trilhão anuais até 2050, se o instrumento for eficaz. Maria Al Jishi, presidente do Comitê Supervisor do Artigo 6.4, celebrou o avanço depois de quase 10 anos de negociações.

“A adoção a que chegamos ontem (11) significa que nós, como supervisores, poderemos começar a trabalhar para desenvolver melhores padrões e recomendações, elaborando todas as ferramentas que serão necessárias para o seu funcionamento. Isso poderá acontecer já no ano que vem”, adiantou, em coletiva de imprensa em Baku na manhã desta terça (12). “Estamos olhando para os projetos que hoje não são financeiramente viáveis, que são muito ambiciosos, e de que maneira esse mecanismo poderá ajudar. Estamos trabalhando muito duro para ter certeza de podermos operacionalizar isso o mais rápido possível, mas também da forma mais segura possível”, garantiu.
Líderes mundiais que participam da conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, COP29, posam para uma foto em Baku, Azerbaijão, em 12 de novembro de 2024.Líderes mundiais que participam da conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, COP29, posam para uma foto em Baku, Azerbaijão, em 12 de novembro de 2024. REUTERS – Murad Sezer

Risco para a discussão sobre financiamento

Um dos receios de países altamente vulneráveis, como a ilha Tuvalu, e organizações que acompanham as negociações é que os valores negociados na forma de créditos de carbono acabem por entrar na conta do financiamento climático. Nesta conferência, os países deveriam chegar a um acordo sobre qual será o valor destinado pelas nações desenvolvidas para as em desenvolvimento a partir de 2026. As cifras mais baixas são de pelo menos US$ 1,5 trilhão por ano.

Ilan Zugman, diretor para a América Latina e o Caribe da organização internacional 350.org, frisou que os países pobres afetados pelas mudanças climáticas precisam “desesperadamente de dinheiro de verdade”.

“É um sinal muito ruim abrir uma COP que deveria ter como foco principal o financiamento climático para os países mais vulneráveis com a adoção de um artigo que legitima os mercados de carbono como uma solução para as mudanças climáticas. Os mercados de carbono podem aumentar as desigualdades, infringir os direitos humanos de povos indígenas e comunidades tradicionais, além de impedir a ação climática de fato”, afirmou. “Esses mecanismos de compensação acabam virando uma grande desculpa para os maiores poluidores do mundo fingirem que estão pagando sua parte. Acaba funcionando como um cheque em branco, onde os poluidores seguem com o seu business as usual, em vez de cortar as suas emissões e fazer uma transição energética justa”, acusou.

Países dependentes do petróleo

As transações de créditos de CO₂ já são operacionais, principalmente no setor privado, mas ainda não são contabilizadas nas metas de redução de emissões de um país. Os países cuja economia depende da exploração dos combustíveis fósseis, como as monarquias do Golfo, estão entre os maiores interessados na formalização do mercado de carbono – neste exemplo, eles poderiam financiar a plantação de árvores em país florestal, cuja captura natural de CO₂ compensaria uma parte das emissões geradas pela indústria petroleira.

Um dos aspectos mais importantes do acordo negociado em Baku é assegurar que não haverá dupla contagem dos créditos, no balanço nacional de emissões, tanto pelo país que deixou de emitir, quanto pelo que comprou os créditos. Um acordo sobre o assunto só deve ser selado no final da COP29, em 22 de novembro.

“Não finalizamos a operacionalização desse mecanismo. A gente vai continuar, nestas duas semanas da COP, discutindo outros aspectos ainda pendentes, como o funcionamento e a implementação do registro das unidades de certificação que vão transitar dentro deste mecanismo, formas de autorização, formulários de report. Tudo isso ainda precisa ser negociado”, disse Juliana Marcussi, da Laclima.

Por: Lúcia Müzell, da RFI em Paris