Tratado UE-Mercosul: após 25 anos de debates, Comissão Europeia anuncia conclusão de acordo histórico

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, entre os presidentes (da esq. para a dir.) Javier Milei, da Argentina, Luis Lacalle Pou, do Uruguai, Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Santiago Pena, do Paraguai, durante reunião de cúpula do Mercosul em Montevidéu. AP - Matilde Campodonico

O Mercosul e a União Europeia concluíram “as negociações para um acordo de livre comércio”, anunciou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em Montevidéu, na sexta-feira (6). Texto ainda tem que ser ratificado e encontra resistência de alguns Estados-membros do bloco. O anúncio suscitou reações imediatas da França, contrária ao compromisso que vem sendo negociado há mais de duas décadas e que representará, se concluído, o mais importante acordo comercial do mundo.

“Concluímos as negociações para o acordo UE-Mercosul. Este é o início de uma nova história. Agora estou ansiosa para discuti-lo com os países europeus”, disse Ursula von der Leyen na rede social X, às margens de uma coletiva de imprensa conjunta com os presidentes da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, na qual foi anunciado o acordo alcançado após 25 anos de discussões.

O anúncio da Comissão Europeia suscitou uma reação imediata da ministra do Comércio Exterior da França, Sophie Primas. “Hoje, claramente, não é o fim da história. O que está acontecendo em Montevidéu não é uma assinatura do acordo, mas simplesmente a conclusão política das negociações”, disse a representante de Paris, que se opõe ao tratado de livre comércio.

“Isso é vinculativo apenas para a Comissão, não para os Estados-membros”, insistiu a ministra em uma declaração enviada às agências de notícias, acrescentando que “a Comissão está assumindo suas responsabilidades como negociadora, mas isso é vinculativo apenas para ela’.

Divergências entre UE e França complicavam acordo

cúpula do Mercosul em Montevidéu, no Uruguai, reúne os membros do grupo, além de contar com a presença da União Europeia, representada pela presidente da Comissão, Ursula von der Leyen. Em uma visita inesperada, ela havia expressado logo na chegada sua intenção de impulsionar a assinatura do acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, mesmo enfrentando forte resistência de alguns países-membros, como a França.

A participação da líder europeia refletiu tanto uma estratégia política quanto um gesto de afirmação de seu segundo mandato. Ao comparecer pessoalmente à reunião, von der Leyen desafiou a oposição de França e Polônia, enquanto defendia a visão alemã de que o acordo é vital para conter o avanço da influência econômica da China. A decisão também carrega uma dimensão pessoal, uma vez que von der Leyen busca reforçar sua imagem diplomática, conforme aponta o correspondente da RFI em Bruxelas, Pierre Bénazet.

Divisões internas na União Europeia

A postura da presidente da Comissão Europeia evidencia as profundas divisões no bloco europeu, especialmente entre França e Alemanha. O presidente francês, Emmanuel Macron, reiterou sua posição contrária ao acordo, alegando que as condições atuais são inaceitáveis. Macron reforçou a oposição em uma conversa telefônica com von der Leyen na véspera do encontro desta sexta-feira. Apesar disso, a líder europeia afirmou que “é hora de cruzar a linha de chegada”, deixando margem para interpretações sobre suas intenções.

A resistência francesa é ecoada pelo premiê Michel Barnier, que acaba de renunciar ao cargo, mas que alertou sobre os riscos de passar por cima dos interesses da França.

Meloni no centro das decisões

Para que o acordo entre UE e Mercosul seja implementado, é necessário que tenha sido ratificado por todos os países-membros. Os opositores trabalharam para formar uma “minoria de bloqueio” — quatro países que, juntos, representem pelo menos 35% da população europeia.

Até esta sexta-feira, França, Áustria e Polônia declaravam oposição à parceria intercontinental. Países como Bélgica, Países Baixos e Itália ainda não haviam definido suas posições, com a última sendo considerada um fator decisivo.

Em Roma, o governo italiano afirmou mais cedo nesta sexta-feira que “as condições não estão reunidas”, citando preocupações com o setor agrícola. Agricultores italianos temem prejuízos devido à concorrência de produtos importados, e o governo exige garantias adicionais para proteger a produção local.

A posição da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, foi crucial. Sem o apoio da Itália, o acordo dificilmente teria avançado. Meloni tem usado essa influência para negociar proteções ao setor agrícola, sabendo que sua anuência foi indispensável tanto para Ursula von der Leyen quanto para os demais países-membros.

Berlim também vinha pressionando para a assinatura. A porta-voz do governo alemão, Christiane Hoffmann, declarou que “o chanceler Olaf Scholz considera este um momento único para concluir o acordo e acredita que não devemos deixar a oportunidade escapar”.

(Com AFP)

Por: RFI