Russo, que não quer melindrar Trump, recebe chanceler do regime aliado em Moscou.
O presidente Vladimir Putin recebeu nesta segunda (23) em Moscou o chanceler iraniano, Abbas Araghchi, e reafirmou seu apoio à teocracia iraniana ante os ataques de Israel e dos Estados Unidos. Por ora, foi só o que o diplomata conseguiu.
“A agressão absolutamente não provocada contra o Irã não tem base ou justificativa”, disse Putin ao visitante na abertura do encontro entre os dois. Foi o primeiro comentário do russo acerca do ataque de sábado (21) no qual os EUA bombardearam três instalações nucelares do país persa.
Mais tarde, a cadetes, ele afirmou que a guerra “leva o mundo para uma linha mais perigosa”

Segundo uma pessoa com conhecimento do tema na capital russa, Putin promete seguir pressionando Donald Trump contra ideias de queda do regime, mas não fez nenhum movimento de sinalização de apoio militar ao Irã, com envio de equipamento.
Essa era uma esperança, diz esse observador, da comitiva de Araghchi. Em janeiro, ambos os países assinaram um pacto estratégico que incluía diversas cláusulas militares, como o fornecimento de caças e e sistemas de defesa antiaérea modernos para Teerã.
Não deu tempo, e já obsoleta infraestrutura iraniana foi aniquilada pelos israelenses em uma semana de campanha militar, antes mesmo da chegada dos EUA ao jogo oficialmente.
Diferentemente do tratado assinado entre Rússia e Coreia do Norte, o acordo iraniano não prevê a assistência mútua em caso de agressão —Pyongyang enviou milhares de soldados para ajudar Putin a reconquistar a região russa de Kursk, que havia sido invadida pela Ucrânia no contexto da guerra entre os vizinhos.
Segundo uma outra pessoa que acompanhou a confecção do acordo com o Irã, há cláusulas nebulosas acerca do programa nuclear persa, o objeto central dos ataques de Israel e EUA, que alegam o desejo imediato de Teerã em ter a bomba atômica.
Já existe cooperação nuclear entre os países: a estatal Rosatom construiu a usina nuclear que fornece energia aos iranianos, em Bushehr. Mas a suposição é de que Moscou poderia ajudar o Irã com tecnologias militares também, algo que ambos os lados negam.
Seja como for, isso parece fora de questão agora. Araghchi levou uma carta do líder supremo do regime, aiatolá Ali Khamenei, pedindo apoio mais incisivo. Ficou sem uma resposta pública, embora sempre possa haver algum tipo de promessa feita de forma reservada que ainda não emergiu.
Putin está numa situação delicada. Se a teocracia cair, ele perde seu último pilar de influência no Oriente Médio. No ano passado, o russo viu a ditadura de Bashar al-Assad, que ele havia salvado do desastre na guerra civil com uma intervenção militar em 2015, cair rapidamente para radicais islâmicos apoiados pela Turquia
Por ora, ele mantém mal e mal suas duas bases na Síria, mas a capacidade operacional e de projeção regional de poder que elas davam foi afetada. É um preço do foco de Moscou na invasão da Ucrânia, promovida por Putin em 2022.
Ao mesmo tempo, o presidente russo não quer melindrar Trump, que lhe fez abertura inédita no caso ucraniano. Os EUA sob o republicano deixaram de apoiar Kiev a qualquer custo e iniciaram conversas diretas com os russos, que ora estão suspensas.
Mesmo assim, as palavras da crítica a Washington no Irã foram comedidas. Na semana passada, Putin disse que “não queria nem falar” sobre a hipótese levantada por Trump de matar Khamenei, e se ofereceu como mediador para o conflito.
Antes de a guerra estourar, a Rússia já estava nesse circuito, de olho em preservar o aliado. Moscou disse que poderia ser a guardiã dos 400 kg de urânio enriquecido a níveis próximo aos usados numa bomba atômica que a ONU diz estar em mãos iranianas.
Isso foi discutido entre Trump e Putin ao telefone, mas o ataque promovido por Israel há dez dias interrompeu as conversas.
Por: Igor Gielow, Folha de São Paulo