Durante anos, todo mês de julho, a Universidade de Coimbra, em parceria com o Parlamento Europeu, promove um curso de férias. Fui convidado por muitos anos para palestrar nesse evento, que reunia autoridades e professores de diversos países.
Em uma dessas edições, compartilhei a mesa de apresentações com o ex-presidente de Portugal, Mário Soares. Após as exposições, fomos almoçar juntos. Minha falecida esposa, a advogada Ruth Vidal da Silva Martins — que sempre me acompanhava e era também cidadã portuguesa por conta de nossos ancestrais — aproveitou a ocasião para fazer-lhe uma pergunta. Gostávamos de estar em Portugal, país com o qual mantínhamos laços profundos. Desde 2009, sou catedrático da Universidade do Minho, em Braga, e, desde 2004, membro da Academia Internacional de Cultura Portuguesa, em Lisboa.
Durante o almoço, ela questionou:
“Senhor Presidente, como o senhor, que sempre defendeu teorias socialistas e marxistas, conseguiu, ao assumir a presidência de Portugal, dialogar com todas as correntes políticas e ser considerado um presidente extremamente conciliador? Como o senhor conciliou sua ideologia com o exercício da presidência?”
A resposta de Mário Soares foi memorável:
“Minha senhora, o povo come pão, não come ideologia. Eu tive que ser presidente de Portugal, independente das minhas convicções. E tenho a sensação de que ocorre o mesmo no relacionamento com seu marido. Nós nos damos muito bem, apesar de termos correntes de pensamento diferentes. Eu sempre procurei dialogar, porque a política é feita de diálogo.”
Mário Soares foi um presidente que, após a Revolução dos Cravos e já na fase mais aguda da Revolução de 25 de Abril, deixou o cargo com a admiração do povo português. Em suas visitas ao Brasil — inclusive na Ordem dos Advogados — e nas vezes em que estivemos em Portugal, sempre demonstrava disposição ao diálogo, mesmo mantendo firmes suas convicções ideológicas.
Sua frase, “o povo come pão, não ideologia”, é uma reflexão profunda — e exatamente o tipo de ensinamento que o Brasil precisa aplicar nos tempos atuais.
Hoje, enfrentamos uma crise grave com os Estados Unidos. A meu ver, um dos principais fatores é a retórica agressiva e gratuita do presidente Lula contra o então presidente Donald Trump. Em contraste, o presidente argentino Javier Milei, que também expressa opiniões contundentes, não sofreu represálias — pelo contrário, tem colhido benefícios, inclusive tarifários, por parte do governo norte-americano.
Se o Brasil adotasse uma postura mais coerente com a de uma nação ocidental, fundada na livre iniciativa — como estabelece a nossa Constituição no artigo 170 —, poderíamos desfrutar das mesmas vantagens, considerando ainda a proximidade geográfica.
Sinto, ao conversar com empresários brasileiros, a dificuldade que enfrentam ao tentar abrir canais próprios para negociar o “tarifaço” de 50% imposto aos nossos produtos. Hoje, lutam para convencer o presidente Trump a ouvir o Brasil, apesar dos constantes ataques verbais do presidente Lula.
Não estamos discutindo soberania nacional — ninguém está invadindo o Brasil. A pauta é o comércio internacional. Tarifas são questões econômicas, mas que podem gerar impactos gigantescos a um país com um Produto Interno Bruto de cerca de 2 trilhões e 100 bilhões de dólares. É insensato entrar em uma guerra retórica com uma potência cujo PIB ultrapassa os 30 trilhões de dólares.
É imprescindível que o Brasil opte pelo diálogo. Precisamos abandonar o discurso inflamado e buscar um tom diplomático. Como lembrou Mário Soares, a política é feita de diálogo. E, no fim das contas, o povo precisa de pão — não de ideologia.