Bancada evangélica promove cidade paulista a “paraíso” das emendas Pix

Carapicuíba (SP) já recebeu R$ 157 mi em emendas Pix, mais da metade por deputados evangélicos. Cidade é cobrada por falta de transparência

Deputados Federais da bancada evangélica transformaram Carapicuíba, na Grande São Paulo, em uma espécie de “paraíso” das emendas Pix, destinando quantias milionárias para a cidade que registra falhas na transparência dos gastos públicos e é líder nesse tipo de repasses entre todos os municípios brasileiros.

Ao todo, Carapicuíba já recebeu R$ 157 milhões dessas emendas desde 2020, mas nem mesmo parte dos parlamentares que destinaram os recursos sabem onde foi parar o dinheiro. Isso porque a cidade apresenta várias falhas na prestação de contas, o que é criticado por políticos e até pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE).

As emendas Pix são transferências diretas da verba parlamentar à conta das prefeituras. Ao mesmo tempo que dá maior agilidade aos repasses, a modalidade dificulta o controle dos gastos públicos. Carapicuíba se tornou o local preferido dos políticos do país para despejar esse tipo de emenda.

A cada R$ 100 enviados para municípios de São Paulo por esse meio, R$ 8,60 foram parar nos cofres de Carapicuíba, que tem 367 mil habitantes e é apenas a 17ª cidade paulista mais populosa. É quase o triplo do recebido pela capital, que, diferentemente de Carapicuíba, mantém as informações sobre destino das emendas em seu site.

Mobilização evangélica
Uma particularidade da cidade da região metropolitana é que as remessas feitas por deputados da bancada evangélica representam 58% dos valores recebidos via emendas Pix. Em geral, políticos endereçam a maior fatia de suas emendas para seus redutos eleitorais, coisa que não acontece em Carapicuíba.

Sete parlamentares evangélicos que enviaram R$ 92 milhões à cidade receberam, somados, apenas 9 mil votos em 2022 no município – se dependessem só desses eleitores, alguns deles não seriam eleitos nem mesmo vereadores.

Apenas o deputado federal Marco Feliciano (PL) mandou R$ 33 milhões para Carapicuíba. A cidade é a 16ª em eleitores do pastor evangélico, somando a ele apenas 2.198 votos. Com essa votação, ele seria apenas o 16º vereador mais votado, entre 20 na cidade. Já para Orlândia, cidade natal de Feliciano, ele destinou apenas R$ 500 mil em emendas Pix. Lá, o parlamentar teve três vezes mais votos.

A reportagem questionou todos os parlamentares evangélicos qual o motivo da preferência de emendas Pix para Carapicuíba. Por meio da assessoria, o pastor Marco Feliciano disse que não há “nenhum tipo de direcionamento” da bancada evangélica e justifica que se trata de uma cidade muito populosa.

Já a Prefeitura de Carapicuíba alega que o fato de ser campeã na destinação de emendas Pix “é fruto do bom relacionamento do município com os gestores e parlamentares dos mais diversos partidos e orientações políticas”.

No top 10 de parlamentares que mais enviaram esse tipo de emenda para Carapicuíba desde 2020, apenas três não são evangélicos. Entre eles está o ex-deputado Alexandre Frota (PSDB), com um total R$ 27 milhões para a cidade.

Veja lista de quem enviou mais emendas:

Pr. Marco Feliciano (PL) – R$ 33.933.674,00
Alexandre Frota (PSDB) – R$ 27.162.883,00
Vinicius Carvalho (Republicanos) – R$ 17.900.000,00
Milton Vieira (Republicanos) – R$ 16.468.311,00
Eli Corrêa Filho (União Brasil) – R$ 12.219.360,00
Gilberto Nascimento (PSC) – R$ 7.443.813,00
Jefferson Campos (PL) – R$ 6.869.682,00
Abou Anni (União Brasil) – R$ 5.960.000,00
Bruno Ganem (Podemos) – R$ 4.955.054,00
Roberto de Lucena (Republicanos) – R$ 4.887.627,00
David Soares (União Brasil) – R$ 4.500.000,00
A explosão de emendas Pix para Carapicuíba aconteceu na gestão do ex-prefeito Marcos Neves (PSDB). Atualmente, quem assumiu foi o nome apoiado por ele: José Roberto (PSD).

Falta de transparência na mira do Tribunal de Contas

Políticos e o Supremo Tribunal Federal (STF) travam, desde o ano passado, um embate sobre a transparência das emendas Pix, sob risco de bloqueio do repasse dos recursos. Na última terça-feira (1º/4), o ministro Flávio Dino, do STF, voltou a exigir que estados e municípios enviem planos de trabalho ao Tribunal de Contas da União (TCU). A Corte identificou, em seu último relatório, que 6.247 emendas ainda não têm transparência.

No Estado de São Paulo, segundo levantamento do TCE, dois terços das cidades já prestam algum tipo de informação sobre o jeito como gastam as emendas Pix. Carapicuíba, que ficou no terço marcado pela falta de transparência, chegou a ser alvo de uma recomendação em que a Corte de contas cobrou mais informações, em 2022.

No ano seguinte, o órgão realizou uma apuração sobre 100 municípios, incluindo Carapicuíba, “onde foram notadas falhas no envio e respostas sobre o tema”. As informações constam do processo de contas municipais de 2023.

A prefeitura nega a falta de transparência e diz que as informações estão disponíveis no portal Transferegov. No entanto, a reportagem encontrou várias emendas apenas com informações básicas, nas quais ministérios cobram dados, como local e serviço executado.

É o caso de uma emenda destinada pelo deputado e pastor Jefferson Campos (PL-SP). Ele enviou R$ 1,5 milhão ao município para diversos projetos, de campo de futebol a recapeamento asfáltico de uma avenida. O Ministério das Cidades, porém, disse que faltam informações, como o local das intervenções, e se as obras serão feitas em zona urbana ou rural, além da metragem do trecho recapeado.

Outra emenda, de R$ 6 milhões do pastor Marco Feliciano (PL-SP), foi destinada a obras de infraestrutura, compra de cestas básicas e acolhimento de crianças. Em 25 de março, um parecer do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social diz que “as informações estão incompletas e não nos permitem concluir a análise”.

Cadê minha emenda?
O desencontro de informações já gerou insatisfação até entre parlamentares. A deputada federal Ely Santos (Republicanos) mandou R$ 200 mil para um castramóvel, um pedido do vereador Sheriff Paulo Costa (Mobiliza). No entanto, o painel do governo federal mostra que o recurso foi usado para “manutenção de infraestrutura”, sem especificar para qual obra o valor foi destinado.

Dois ministérios se manifestaram sobre o recurso. O da Integração e do Desenvolvimento Regional dizem que a demanda não se aplica à pasta, enquanto o Ministério da Economia solicitou que as informações enviadas fossem complementadas.

“O dinheiro caiu no início de dezembro e eu perguntei para o vereador. Ele disse que fez o pedido e o prefeito não me respondeu o que ele fez com o dinheiro. O que eu sei é que ele não comprou o castramóvel”, disse a deputada ao Metrópoles.

A própria reportagem mandou e-mail e ligou para a cidade, mas não recebeu qualquer retorno inicialmente. O Metrópoles só foi atendido porque foi pessoalmente procurar a assessoria de imprensa da prefeitura, que afirmou ser falsa a informação de que o recurso não seria usado para o veículo de castração de animais, e que a verba ainda estava no caixa da prefeitura.

Roberto Lucena (Republicanos), hoje secretário estadual de Turismo, mandou emenda Pix de R$ 4,8 milhões na época em que era deputado. Segundo ele, a emenda foi enviada para a área da saúde. No sistema do governo federal, consta que aproximadamente metade do valor foi gasto em recapeamento de “vias diversas”. O resto em ações como tratamento de resíduos sólidos e construção de um vestiário e pista de caminhada.

“Por decisão da mesa diretora da Câmara, todas as indicações de emendas foram linearmente suplementadas neste ano. Essa foi destinada à área da Saúde”, disse Lucena. “O plano de trabalho apresentado pelo município ao governo federal ocorreu quase nove meses depois da indicação, quando eu já não estava no exercício do mandato, portanto sem acesso ao sistema”, respondeu o secretário.

Obras paradas ou malfeitas
Apesar da grande fatia de dinheiro recebido por Carapicuíba, a cidade ainda enfrenta problemas com obras paradas ou malfeitas. Um símbolo do problema é o esqueleto de uma creche que, há alguns anos, virou um exemplo do desperdício de dinheiro público na cidade.

O prédio na Vila Veloso, que consta de levantamento de obras paralisadas ou atrasadas do TCE, está todo pichado e mostra os sinais do tempo. A obra, iniciada em 2016, foi paralisada há cerca de três anos, segundo funcionários, que voltaram recentemente ao local, disseram à reportagem.

Mesmo obras já terminadas também sofrem com problemas de qualidade. Moradores do Parque Jandaia relataram que a rua onde residem voltou a ter problemas logo após ser recapeada no ano passado. “Aí já tá aparecendo esse buraco aí. A tendência dele é aumentar, porque, à medida que chove, o ônibus vai passando e vai ali, ó. Inclusive quando o que passa ali, aquilo ali funda”, disse o aposentado Jaime Dias de Oliveira, 64.

O que diz a Prefeitura de Carapicuíba
A Prefeitura de Carapicuíba afirma atuar com transparência na administração dos recursos, publicando informações sobre as transferências especiais no Diário Oficial, notificando órgãos de controle e disponibilizando dados no site oficial e no sistema Transferegov.

Com esses recursos, diz a cidade, inaugurou o Pronto Atendimento Bruno Covas, maior unidade de saúde municipal, além de investir nos centros de Educação, Esporte, Arte e Cultura, novas unidades de saúde, modernização da iluminação pública, recapeamento de ruas, revitalização de parques e melhorias viárias.

A prefeitura diz que as transferências especiais agilizam processos burocráticos, garantindo benefícios diretos à população sem comprometer recursos fixos do município. A obtenção de emendas Pix é atribuída ao bom relacionamento com gestores e parlamentares de diversas orientações políticas.

Por: Artur Rodrigues, Ramiro Brites – Metrópoles SP